Eu me lembro bem. Desde quando meu irmão era vestibulando, eu ouvia algumas expressões: "vai estudar, meu filho, assim você não passa!", ou "espera, mãe, já estudei muito hoje...". Na época, eu nem dava muita importância a isso, mas agora vestibular virou o enredo do meu romance, que é minha vida atual, mas não tão romântica assim, meus
colegas de sala confirmam.
A quadra do meu colégio, toda limpinha, vazia, fica lá, parada, como se me chamasse para eu ir lá, chamar meus amigos e jogar aquela pelada, tanto adorada por nós, garotos. É essa a hora mais difícil, de pura tentação, que é quando, depois de seis aulas de manhã e cinco à tarde, eu devo pensar que tenho de estudar, senão eu não passo. Mas isso já resolvi: quando acaba a aula, eu saio pelo outro portão, assim não vejo a quadra lá e o povo conversando, batendo aquele papinho demorado, com cara de falta de tarefa.
Faça uma experiência: junte todas as listas de exercícios que você já recebeu esse ano e analise. O bolo de papel é grande? Grande mesmo é a descrença que eu tenho, e sei
que não deveria ter, quando vejo as listas de matemática ou física e logo penso: "meu Deus, em que usarei isso no meu curso?", "pra que eu estou vendo isso?". Talvez você já tenha pensado isso também, caso seu curso seja um de humanas. Acontece o mesmo com a galera da grandiosa, temida e cobiçada medicina, mas no caso deles é: "o que eu quero com movimento literário?".
A coordenadora do meu colégio diz que não é culpa dela, o sistema que é assim; e, por acaso, isso é mentira? Eu não sei quem é que sofre mais, se é a gente com esse enorme compromisso, ou se é ela, que tem que convencer nossas cabeças de que não tem outra solução senão estudar.
O pior mesmo é quando vai chegando o final de semana e tem alguma festa na sexta, e então vem aquela deliciosa lembrança do ano passado, quando sair sexta-feira não tinha tanto problema assim, porque não tinha aula sábado às manhãs. Agora é diferente, já que sábado tem aula de química, e experimente dormir na aula de química pra ver o que acontece...
A vida do vestibulando é como o café da manhã. O liquidificador é a nossa cabeça, a faca é a nota ruim do simulado e a vitamina é a aprovação, tão deliciosa, mas que nunca chega. Mas o que a gente pode fazer se não existe magia? Pra falar a verdade, melhor é assim mesmo, que agora não se tem tempo de inventar problemas que não existem. Algumas horas são difíceis, quando tento, tento, tento entender alguma matéria, mas não consigo entendê-la de
modo algum e penso que ela talvez nem caia no vestibular, e então me pergunto por qual motivo estou estudando uma coisa daquele tipo. Isso já aconteceu com você também, vestibulando; acontece com todo o mundo. Às vezes, quando olho aquele tanto de maratona (cujo nome foi perfeitamente empregado) espalhada pela mesa, eu confundo meu esforço com sofrimento. Mas, quando me vem, à cabeça, o meu nomezinho na lista de aprovados da segunda fase, todo esse esforço, que antes era tido como sofrimento, passa a ser uma esperança, diferente de todas que já senti.
Agora os dias passam mais rápido e mais lento, simultaneamente. Mais rápido porque as aulas estão acumuladas e não há mais muito tempo para estudar tudo, e mais lento porque a gente quer passar por isso logo e fazer cada um seu curso. Que sejamos bem-vindos à reta final e que tenhamos muita calma ao fazer a prova.
Essa é a hora. E então? Vai ganhar horas de conforto, agora, para depois perder um belo passeio no Vaca Brava, ou vai perder algumas horas do seu futebolzinho para ganhar meia década de Federal? É preciso ser esperto, e sem essa de que você é burro e não consegue, porque burro mesmo é quem duvida da própria capacidade.