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Barbara Carine

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    Não sei bem qual é o critério de escolha, mas nenhuma menina parecida comigo foi escolhida.

    Meninas negras costumam ter dificuldade para achar imagens que as representem. Encontrar figuras negras em situações de poder que possam servir de espelho é complicado. Nesse caso, a menina não se viu representada nem mesmo em um simples concurso escolar, e a pergunta que fica é: por quê? Apenas meninas brancas serem escaladas para o concurso nos mostra como a sociedade tende a não encontrar beleza em nossas peles escuras e em nossos cabelos crespos e cacheados.

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    Vou sempre para a escola “um brinco só”. Mainha diz: já que nascemos pobres e com a pele escura, pelo menos temos que ser limpas e arrumadas.

    Desde crianças, somos vistos como sujos apenas por sermos negros, e este trecho mostra exatamente esse ponto. Ser negro sempre foi sinônimo de sujeira, e nossos pais, por sentirem isso há mais tempo que nós, tentam nos proteger dessa violência, muitas vezes "escondendo" nossos traços naturais, como nossos cabelos, passando potes e potes de gel, trançando e fazendo o possível para que nosso cabelo "duro" não apareça. Ou seja, nesta visão, quanto menos traços negros tivermos, mais limpos e arrumados estaremos.

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    Tenho a sensação de que quanto mais estico o cabelo, mais o fio pode se acostumar e já sair de dentro da cabeça esticado. Eu quero muito ter um cabelo esticado, sabe? Não é nem por não achar meu cabelo bonito, eu acho as tranças que mainha sempre faz muito bonitas, e as tranças soltas trazem balanço ao meu cabelo, que sempre parece imóvel, estático. Mas eu queria um cabelo esticado só pra receber um carinho na cabeça mesmo. Percebo que todo mundo sempre passa a mão na cabeça da sobrinha da professora, fazendo um carinho no sentido do crescimento do cabelo, que é de cima para baixo, mas o meu cresce de baixo pra cima, então acho que as pessoas ficam confusas e não sabem como fazer.

    Outra vez vemos a falta de autoestima presente na menina. A forma como ela não gosta muito da sua imagem não vem 'do nada', mas sim de toda uma estrutura que, desde sempre, enaltece apenas pessoas brancas de cabelos lisos; de uma indústria que demorou anos para começar a nos enxergar como mulheres crespas/cacheadas que também precisam de produtos direcionados aos seus cabelos; de uma cultura onde se referir a cabelos crespos como 'bombril', 'duro' e 'ruim' foi normalizado. Não há como ter autoestima em uma sociedade que nos instiga ao ódio desde cedo.

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    Sei lá, mas acho que não importa o que ele faça ou como ele pareça, ele sempre teria o posto de “mais feio da turma”.

    Padrões de beleza, uma ideia criada para dizer o que é ou não bonito, onde um dos requisitos é ser branco/a. Ou seja, uma ideia inalcançável para muitos.

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    Mas mainha sempre me diz duas frases com muita ênfase: “você não vai ser como eu, vai pegar em livros, não em vassouras” e “a roda da história tem que girar pra frente”.

    essa frase, apesar de forte, expressa uma expectativa de que o filho transcenda a realidade que a mãe enfrentou, marcada muito provavelmente pelo trabalho doméstico.
    ela quer que ele tenha acesso à educação e, consequentemente, a melhores oportunidades de vida.
    a segunda frase já reforça essa ideia de progresso e mudança. a mãe acredita que o futuro deve ser melhor do que o passado, e que é essencial que seu filho faça parte dessa evolução, rompendo com as limitações que foram impostas e que ela própria enfrentou em sua vida

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    Enfim, você sabe que eu sempre me vesti mal pra caramba, né?! E que todo dia me chamam ou de “cabelo de bombril”, “nega do cabelo duro”, de “cabelo pixaim”. Não sei se te falei, mas pra ajudar a abaixar o cabelo até passo alisante nele. Às vezes, deixo mais tempo do que o recomendado, que é para ver se o produto entra nos poros e alisa o fio desde lá de dentro para já sair liso. Nem sei se é assim que funciona um “alisamento permanente”, mas vai que dá certo, né?

    A forma como a menina vê seus cabelos, chega a parecer um reflexo de nós meninas crespas/cacheadas. “a palavra errada dos outros entra como navalha na gente”, somos ensinados a nos odiar, ensinados que nossos traços não são bonitos e precisam ser mudados e encaixados dentro de um padrão, não tem como amar algo que nos ensinam a odiar. Além disso, normalizam falas racistas desde sempre, fecham os olhos e fingem não perceber que isso também é violência, por mais "discreta" que seja.

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    Mainha disse que as pessoas não sabem de nada, que projetaram as frustrações delas em cima de mim como um mal coletivo da nossa gente, algo do tipo “nenhum de nós terá êxito em nada”.

    Estão tão acostumados a só verem pretos "derrotados" que tendem a refletir isso em qualquer preto que tenha sonhos exija muito esforço e dedicação. Ao invés de nos ajudarmos, acabamos derrubando os outros apenas porque não conseguimos chegar onde queríamos.
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  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    Se pensar bem, o pessoal não respeita nem grana, imagina ascendência. É só você olhar para as situações vividas por você e sua mãe. Um absurdo, cara, vez ou outra ela ser barrada na entrada dos eventos de juristas em que ela palestra. A gente sabe que isso não acontece com pessoas brancas.

    E assim surge a consciência racial. O momento na vida de todos nós negros, quando finalmente nos descobrimos negros e passamos a ver nossa realidade e as histórias já vividas, de uma outra forma.

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    A nossa ancestralidade não é de sacrifícios singulares, mas de lutas coletivas. Quem glamorizou o sofrimento negro certamente não era um de nós.

    Essa frase carrega muita força e verdade. Ela destaca que nossa ancestralidade é marcada por lutas coletivas, e não por um sofrimento isolado. Quem tenta romantizar o sofrimento negro claramente não viveu essa realidade, porque nossa história é de resistência e união, e não de sacrifício glorificado.

  • Sarah Carloshas quoted2 months ago
    É uma sensação estranha de não conseguir pensar um futuro, sabe? É assustador eu não conseguir pensar a minha vida daqui a trinta anos, minha mente bloqueia, parece que a gente não é feito pra ter uma noção de futuro. Parece que o que a gente tem é só uma roleta-russa, sabe o que é? Para nós, o futuro é sorte. Queria que a sociedade pensasse mais nisso. A gente tem aula de cidadania, mas que cidadania é essa?

    Quando a consciência racial bate na nossa porta parece um choque que percorre o corpo e para nosso coração por uns segundos. Ver muitos dos "nossos" sendo brutalmente assassinados, nossa mente tende a nos colocar nesse papel também, a sensação de que podemos ser o próximo e para "os grandes" isso não vai ser nada, porquê para eles é isso que nossa vida vale, nada! vemos com muita frequência jovens como nós, pretos e na maioria das vezes pobre sendo mortos e ninguém ligando, vemos nosso reflexo, nos vemos ali, vemos nossas famílias e amigos, vemos nossa vida passando em nossos olhos como um filme e um filme triste onde tudo que temos é um enredo de muita luta e sofrimento em meio a uma sociedade racista.

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