Há momentos na vida em que se sente a necessidade de escrever ou de falar da juventude. Não se trata, propriamente, de escrever um livro. Escrever um livro, dizia um autor de quem esqueci o nome, é a «morte de uma árvore». Escrever para os outros é um trabalho penoso, onde a atenção deve estar sempre alerta a fim de escolher tudo o que toca a nossa sensibilidade. Escrever para si é como a grande respiração, é testemunhar, olharmo-nos tal como somos, rir de nós mesmos, deixarmo-nos levar pelas ternas delicadezas. Mas o traço da nossa escrita vira-se muitas vezes contra nós próprios, as páginas são frequentemente reveladoras. É bom, entretanto, uma vez chegado à minha idade, permitir-me esses abandonos e segredos, o que, púdico como sou, não faz parte dos meus hábitos.
Começarei por uma das páginas da minha memória este itinerário vivido na juventude: a via estreita que escolhi contra toda a expectativa familiar. Bifurcação que causou, seguramente, um alvoroço no meu próprio casamento. Reconheço hoje que consagrei uma grande parte da minha existência a dar testemunho da realidade da sabedoria, “Via”, “Do”, muito antes de eu próprio conhecer este despertar, e tenho ainda muito a caminhar… Após a última operação ao meu cancro, tive a noção clara de que pode sobrevir uma abertura global e isto a qualquer momento e relativamente a não importa quem. Seguir uma Via sozinho é um risco elevado. O ser humano nem sempre está preparado para esta luz, porque ela é mais forte do que a escuridão. O ego pode arrastar-nos à loucura, se não tiver sido trabalhado.