José, personagem que dá título ao mais recente livro de Rubem Fonseca, aprendeu a ler sozinho aos quatro anos e logo se tornou um verdadeiro devorador de livros. Primeiro foram os folhetins de capa e espada e os pockets de sebo — histórias policiais, em sua grande maioria — que a tia lhe mandava pelo correio. Depois, com a mudança para o Rio de Janeiro, seu repertório aumentou consideravelmente, pois se tornou assíduo frequentador da Biblioteca Nacional, da qual, para sua sorte, era vizinho. E havia ainda as livrarias ali do centro mesmo, onde José lia em pé as novidades recém-lançadas.José precisou começar a trabalhar cedo porque sua família ficou pobre de um dia para o outro. Nem por isso sua vida deixou de ser uma aventura repleta de descobertas. O pequeno entregador da fábrica de artefatos de couro descobriu a cidade grande; o auxiliar de escrita que cursava o ginasial noturno descobriu as mulheres; o estudante de direito e futuro advogado criminalista redescobriu as tramas e os personagens do universo policial. Tudo isso na companhia da velha Underwood, a máquina de escrever com teclado americano em que ensaiava suas primeiras histórias sem nenhum acento gráfico.Esses e outros tantos elementos vão tecendo os fios das deliciosas memórias de José. Mas é bom que se saiba, como diz Joseph Brodsky, que «a memória trai a todos». José sabe disso, aprendeu com Proust que «a lembrança das coisas passadas não é necessariamente a lembrança das coisas como elas foram».