Este livro, fruto de pesquisa empírica no sistema prisional e nas periferias de Porto Alegre, tem como objetivo analisar o fenômeno dos coletivos criminais da capital. Enfatizando as relações entre facções distintas, bem como entre elas e os agentes do Estado, Marcelli Cipriani recompõe o processo de sua emergência no Presídio Central de Porto Alegre, seu transbordamento para o espaço urbano e a progressiva incorporação, pelos grupos, do sistema prisional na logística do crime. Assinalando uma dinâmica de mutualismo entre facções e Estado, o livro explana os ganhos recíprocos que forjam o precário equilíbrio entre esses atores — sustentando, em última instância, um acordo de “paz” que, no cárcere, prevê a ausência de confrontos entre inimigos e a contenção de turbulências. Porém, como explorado pela autora, do lado de fora os conflitos tendem a resultar de antagonismos entre grupos e não entre eles e o Estado, e foi uma ampla reordenação de suas dinâmicas e formas de organização — direta e indiretamente alimentadas pela “paz” prisional — que levou à guerra das facções gaúchas. O fio condutor do livro, divido em duas partes (a “paz” e a guerra), é os usos e desusos que as facções fazem da violência — certamente permeados por racionalidades econômicas, mas também embebidos em justificações morais, na produção de identidades, nas disputas por legitimidade e na reação às desigualdades sociais e violências institucionais.