Marcello Tarì nos diz que Kafka é um dos grandes comunistas de todos os tempos. Sem dúvida, está correto.
Mas Kafka é também um dos mais importantes pensadores da an-arquia, já que identifica o vazio da máquina do poder e denuncia a sua principal estratégia, calcada em leis que, criadas para separar o povo e os nobres, compõem uma dimensão hierárquica, violenta e aflitiva.
Nesse sentido, a análise de Tarì busca conectar as linhas de fuga que, presentes de maneira fugidia na obra de Kafka, tornam possível desvelar o segredo do poder e assim desativá-lo, tornando inoperante a vigência sem significado que hoje nos subjetiva mediante uma série de afetos tristes, tais como o medo, a indiferença e a servidão voluntária.
Para tanto, é preciso tramar e conspirar para a construção de um partido de Kafka que, invisível e imaginário, aposta nas potências do comum, do corpo e das singularidades, configurando uma rede mutante e em expansão capaz de antagonizar o direito, o Estado, o capital e — por que não? — os microfascismos que se infiltram em nossos gestos mais insuspeitos.
Seguindo o fio da argumentação de Tarì, percebemos então que, longe de ser apenas um discreto escritor judeu do século passado, Kafka se configura como uma máquina de guerra voltada para a implosão do sujeito, da representação e do poder separado, conformando, ao seu modo quase cabalístico, uma forma-de-vida capaz de transmutar os portões da lei naquela pequena porta pela qual pode entrar o Messias, esse outro nome da revolução.
— Andityas Soares