«Viu que estava morta. Mortinha. Tetê, a criança: durinha no chão do quarto. Uma garrafada na cabeça. Deu umas bicas. Pisou. Tetê, a criança, estava morta. L. então pediu ajuda da mulher, R., pra desovar o corpo. — Um anjo de vitral — disse a mulher. — Moído — respondeu o homem. Foram pra Antonina, jogar o cadáver no mar. Cortaram e guardaram uma mecha de cabelo de Tetê, a criança, a filha.» Malditos sejam poderia ser definido como um livro de microcontos ou ser chamado apenas de ficções. É um exercício de estilo sobre a língua e a vida de anônimos, esquecidos, excluídos, vendedores de doce, chapeiros de padaria, velhos tarados, bolivianos, baianos, homens e mulheres invisíveis do Brasil. Os personagens de Malditos não frequentam lugares burgueses, salões e baladas mundanos. Avistam tais oásis apenas da janelinha do ônibus e entram pela porta de serviço das casas dos bacanas. Só vão à Disney no vale a pena ver de novo da TV. Andam com bolsos estufados de carnês, contas de luz, água, gás e a cada fim de noite muitos perdem o último ônibus para o Jaçanã — e, então, só amanhã de manhã. Essa brava gente resiste nos cantões de uma metrópole brasileira. Vive um assim seja, um faz de conta, um tanto faz. Cai-lhe, como uma luva de Mike Tyson, uma máxima de Jamil Snege: «viver é prejudicial à saúde». Não vislumbra uma saída além de um camburão ou uma maca do SUS.