O culto da força e da vitória, da hierarquia e do comando, da propriedade ou do Estado, implica na defesa de uma forma de vida exclusiva e excludente. É nas antípodas disso que seria preciso tornar a ouvir o termo vida. Para ficarmos numa formulação feliz de Lapoujade: não permanecer na fraqueza de cultivar apenas a força, porém ter a força de estar à altura da própria fraqueza. A vida assim concebida é justamente aquela que “escapa” à modulação biopolítica e à tanatopolítica que lhe é correlata. Para retomar termos já conhecidos, trata-se de uma vida não-fascista. Mas como reativá-la na atual conjuntura?
É preciso reconhecer, antes de tudo, que uma movimentação de placas tectônicas nos últimos anos colocou em xeque de modo irreversível hierarquias tradicionais de raça, gênero, espécies, saberes, culturas. Não espanta que isso tenha suscitado crispações morais e religiosas as mais reativas. Contudo, ao lado do assombroso tsunami político daí resultante, novos modos de persistência aparecem, com laivos de êxodo ou desconexão, desmontagem e destituição, revelando linhas de força e de fuga antes desconhecidas. Por mais que a reação política, midiática, jurídica tenha tentado calar ou esmagar tais manifestações dissidentes, elas perfazem uma trajetória e deixaram no ar vários signos e vestígios que este livro se propõe a acompanhar.