Quase duas décadas depois, a onda de governos progressistas na América Latina está sendo revertida. Já vai longe na memória o tempo em que as cúpulas de chefes de Estado da região se transformavam em verdadeiras odes à integração, com direito a ponchos e canções revolucionárias, e em que George W. Bush e a Área de Livre Comércio das Américas foram rechaçados pela maioria dos presidentes latino-americanos. Nesse período, a União de Nações Sul-Americanas se fortaleceu como espaço de concertação política continental; o Mercosul ganhou corpo com a entrada da Venezuela; e criou-se o primeiro organismo de diálogo hemisférico com a participação de Cuba e sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.
A virada do século havia inundado de esperança os movimentos sociais e os partidos de esquerda. A vitória de Hugo Chávez, a potência aglutinadora do Fórum Social Mundial e, logo depois, os sucessivos triunfos eleitorais em praticamente toda a América do Sul e em alguns países centro-americanos sinalizavam que chegara o momento da «grande transformação». Os artigos compilados neste livro, porém, mostram que, depois de tudo, o processo deixou muito a desejar àqueles que reivindicavam mudanças estruturais na realidade política, social, econômica e cultural da região.
Pouco a pouco, as forças conservadoras — que jamais deixaram de exercer o poder de fato em áreas que dominam historicamente, como a mídia, a Justiça e as finanças — vêm retomando os espaços que haviam perdido. Após anos de uma oposição inclemente e de uma incessante campanha difamatória, que floresceu a partir de numerosas denúncias de corrupção, já recuperaram alguns governos, seja pela via eleitoral, como na Argentina, seja por meio de golpes de Estado jurídico-parlamentares: primeiro em Honduras, em 2009, depois no Paraguai, em 2012, e então no Brasil, em 2016. E rapidamente vêm desfazendo avanços das últimas décadas. Com a exceção do Uruguai, os governos progressistas que se mantêm no poder enfrentam crises agudas, como na Venezuela, ou acumulam reveses, caso da Bolívia.