Como alguém se torna filósofo? É uma pergunta interessante, que não admite resposta única. Basta percorrer a honorável tradição filosófica da antiguidade aos nossos dias, para se dar conta de que todo o grande filósofo tem um jeito próprio de pensar e trata a filosofia de maneira original e inconfundível. Para Anthony Ashley Cooper, terceiro conde de Shaftesbury (1671–1713), tornar-se filósofo é descobrir-se como membro de uma espécie, a humana, cidadão de um país, a Inglaterra, herdeiro de uma tradição, a do estoicismo, que se enraíza na Grécia antiga. É o que transparece na obra que o tornou famoso, as Características, publicadas em 1771 e lidas em toda a Europa. Para Shaftesbury, a filosofia, por estar enraizada no que é propriamente humano, ou melhor, no que torna o homem membro de uma ordem natural maior do que ele mesmo, não é algo que se descubra fortuitamente. É resultado de um exercício de disciplina das paixões, de modulação dos sentimentos, de ajuste do corpo aos ditames da razão. Exercício que se realiza na linguagem através da qual o pensamento adquire vida e se torna formador. Estes Exercícios, escritos em prosa límpida, são o testemunho de como o próprio Shaftesbury veio a se tornar filósofo — um dos grandes de sua época, pronto para ser redescoberto pela nossa como um verdadeiro clássico.