Podemos imaginar esses textos proferidos em voz alta pela autora, sentada em um canto na Piazza Navona, oscilando o tom de acordo com a gravidade do assunto, do peso das palavras. Ela não grita — fala, apenas –, e os transeuntes se detêm, curiosos, ao escutarem sentenças definitivas como «a arte é o contrário da desintegração». Aproximam-se para ouvir o que vem depois: «porque a razão da arte é impedir a desintegração da consciência humana, em seu cotidiano desgastante e uso alienante com o mundo; é restituir-lhe, continuamente, a realidade». Enfim permitem-se ficar, sentam-se ao seu lado para ouvir a própria história de seu mundo enquanto acompanham a mudança da luz, «uma testemunha visível, que não é uma substância terrestre, mas uma qualidade característica do céu». Elsa Morante apresenta nesses ensaios o seu olhar inconfundível que origina devaneios e convicções sobre temas tanto — aparentemente — simplórios, como a sua piazza, quanto polêmicos, como a bomba atômica. Se o compromisso do artista é com a realidade, nada basta e nada deve escapar. Contemos com Morante, com o seu olhar implacável e comovente, para treinarmos o nosso olhar.