“Estado de despejo” é o terceiro livro de poemas de Ricardo Rizzo. Lançado exclusivamente em formato digital pelo selo Geleia Real, que tem coordenação de Ronald Polito.
Para Eduardo Sterzi, que assina o posfácio, «não há (…) como ser poeta, hoje, sem se defrontar com o que Ruy Belo, ainda em diálogo com os resíduos teológicos de sua formação juvenil, designou, no título de um de seus livros, «o problema da habitação». Nesse mundo, apenas a transformação do objeto em mercadoria — “rito odiado” pelo qual o «velho coração de objeto / gasto de existir / desde a pedra lascada” é exposto “a uma plateia calada” — faz-se interpretar como conquista de «uma vida / maior […] e mais livre”. Compreende-se que seja, por contraposição, precisamente a «mínima vida” que interesse ao poeta: «vida mínima” ou “vida menor”, diria ainda Drummond; “um pouco de vida, uma semi-vida”, dirá agora Ricardo Rizzo. Trata-se, aqui, de dar atenção àquela «parcela mínima de vida”, comum a homens e vírus (biologicamente, o gene; filosoficamente, diríamos com Benjamin e Agamben, a “vida nua”), que, como bem viu Oswald de Andrade, concentra numa «duplicidade antagônica” — ao mesmo tempo «benéfica” e «maléfica” — «o seu caráter conflitual com o mundo”. Em ninguém essa «mínima vida” é mais aparente do que nos miseráveis: naqueles que foram reduzidos a ela. No entanto, é precisamente esse “pouco de vida” — e não a participação em qualquer plenitude mais ou menos ilusória — que constitui a região ontológica comum a elefantes e filhas inventadas, sem-teto e brinquedos quebrados, Macabéa e o corpo despedaçado de Cristo, o “bicho” que procura comida no lixo do pátio e os «velhos espíritos” que são “formas de poeira” resistentes à história e sua destruição, «o baço / que não usaram no transplante” e «alguma víscera / inicialmente não prevista”.