Martinha Cambalhota

Dos sambas às crônicas, crescemos embaladas pelos seus múltiplos talentos. A medicina, sempre presente, parecia correr em pista paralela à da música, dos artigos, das infinitas possibilidades de um mundo que ele nos apresentou, repleto de arte, opinião e sentimentos. E quando pensávamos que talvez fosse o bastante, eis que nos deparamos com este romance.
Sim, um romance. Uma novidade e tanto da qual sabíamos de antemão que não sairíamos desapontadas. Porém, mais do que ler um bom livro, mergulhar nessas páginas foi ler nosso pai nas entrelinhas. Foi poder curtir um pouco da sua infância, dos seus sonhos, entrar um pouco na sua cabeça.
As referências, sutis e destemidas, como a caipirinha, as letras de música, o "ééééé", se diluem na vida do músico Eduardo, deliciosamente apresentada ao longo dos capítulos. De forma leve, com doçura e tristeza, realizações e meras expectativas, e um toque de diversão, porque o cotidiano é repleto de todos esses elementos.
Alguns personagens são conhecidos na sua essência, ainda que não representem uma pessoa real ou representem, por vezes, várias pessoas entrelaçadas, cada uma com sua importância na trajetória do autor. Muitos fatos narrados também nos remetem a acontecimentos que marcaram nossas vidas, como filhas e coadjuvantes dessa mesma trajetória. Alguns muito tristes, que nos fazem inundar os olhos pela delicadeza com que são lembrados. Outros hilários e até inusitados, que nos arrancam sorrisos difíceis de se desfazerem. A sensibilidade e o humor estão presentes durante toda a narrativa e envolvem o leitor do começo ao fim, fazendo da obra uma experiência surpreendente e encantadora.
Mas não pense você, começando a aventura sem conhecer ao menos remotamente os personagens, que não encontrará momentos para chamar de seus. Pois essa é, acima de tudo, uma história de amor. Amor pela família, aquela família do coração, que a gente junta, escolhe, cultiva. Amor pela música, aquela que nos bota pra cima e nos conforta ao longo da vida. E amor romântico, aquele que nos transborda, que basta por si só.
Só nos resta agradecer pelo presente especial, que é ter para sempre um pedacinho de nosso pai, protagonista, autor, inspiração, eternizado no mundo, aceso, vivo. E convidar todos a vivenciar uma experiência incrível de leitura, que certamente será única.