«Escrever me diverte, mas também me faz sofrer com personagens infelizes, nos diz o escritor bem no início deste livro. Uma frase que poderia ter sido escrita por Sófocles, Émil Zola, Machado de Assis.
Depois, falando da insônia do avô: As lembranças vinham durante a noite, como marginais que se aproveitam do escuro para fazer vítimas. Frase digna de Conan Doyle, Simenon, Agatha Christie.
Tratando da pobreza, ele arma com naturalidade: Sentia-me uma moeda no chapéu do esmoleiro. Frase que poderia ter nascido da pena de Victor Hugo escrevendo Les Misérables, ou de Carolina Maria de Jesus em seu Quarto de Despejo.
Era lua cheia, quando a casa ficava mais iluminada. Às vezes, nem vela precisava acender. Erico Verissimo descrevendo uma cena com a velha Bibiana no sobrado de Santa Fé? Não. É novamente Carlos Zaslavsky em outra narrativa deste livro. Em todas elas, incorporado ou não no irresistível DR. FIGURA, nosso escritor revela um domínio raro das palavras, e são elas a única matéria-prima do escritor.
Dos 40 aos 70 anos, idade em que Erico Verissimo, nesta mesma Porto Alegre, escreveu seus melhores livros, Carlos Zaslavsky viveu intensamente a sua medicina, criou uma linda família, viajou muito, leu milhares de livros, viu outros tantos filmes, e adquiriu a ampla erudição que coloca agora a serviço da literatura. Tivesse ele começado a escrever ainda jovem, com o talento que possui, seria hoje um escritor consagrado. E por outros textos ainda quentes do forno, que tive o privilégio de ler recém-escritos, garanto que Carlos Zaslavsky ainda reserva muitas surpresas para seus leitores. Assim, como ainda é época de pandemia, eu posso, ao estilo do DR. FIGURA, adaptar impunemente a antiga expressão: Quem viver, lerá.»
ALCY CHEUICHE
PORTOALEGRE — PRIMAVERA DE 2020