Dentro da ampla galeria de personagens que ao longo das obras de Shakespeare corporificaram as paixões mais universais e comuns que movem a natureza humana, Otelo passou a representar o homem destruído pelo ciúme. No entanto, apesar de esta característica permanecer na memória coletiva como a mais famosa da obra, este é apenas o ápice visível do tema crucial e mais geral: a desconfiança. Movido pelo veneno que se espalha por meio de seus diálogos e permeia as relações entre casais, entre homens e mulheres, entre chefes e subordinados, Otelo continua a ser, hoje como ontem, uma leitura contundente e poderosa pela perfeição da sua trama e pelo desenvolvimento cerrado dos mecanismos que, tendo como fonte principal Iago, «o mais cínico e perigoso diabo humano da literatura», articulam inexoravelmente a ação e acabam por precipitar a tragédia.