Água doce, de Akwaeke Emezi, é um livro como nenhum outro. Com uma linguagem crua e física, narrada majoritariamente na primeira pessoa do plural — Nós –, a obra renega a possibilidade de um “eu” único e uniforme, celebrando e advertindo sobre a vida em espaços liminares.
Ada sempre foi estranha. Quando criança, vivendo no sul da Nigéria, a família se preocupa com ela e não a entende. Enquanto Ada ainda estava no ventre, o pai rezou por uma filha, e Ala, a deus-píton, ouviu; mas algo deu errado: talvez os deuses tenham esquecido de fechar os portões, pois Ada nasceu com diversos seres dentro de si. Quando ela vai para os Estados Unidos para a universidade, um evento traumático acaba sendo o catalizador que transforma seus muitos “eus” em algo mais forte.
Ada é ọgbanje — ela é vários, e apenas um. Os muitos espíritos que vivem dentro dela nunca se consolidam, mas, depois de quase (quase?) enlouquecer, Ada aprende a tomar a frente e controlá-los. Seu corpo transforma-se junto com sua mente, adequando a materialidade ao que os ọgbanje são: sem gênero, sem extremos, sempre liminares. Água doce narra uma jornada de autoconhecimento, crescimento e aceitação, da filha de um deus jogada no mundo com um pé ainda do outro lado.