Logo de início, Peter Handke anuncia o tom: «Está ficando sério de novo!», diz o protagonista, alter ego bem pouco dissimulado e crítico mordaz do próprio escritor. Nesse jogo de duplo espelho em que o ensejo é saber o quanto há da persona Handke em cada trecho, fato é que temos aqui o último — embora com o Prêmio Nobel de 2019 nunca se sabe ao certo — ensaio autorretratado da série de cinco. O confronto com a escrita percorre e traspassa a série e chega aqui a bom porto, não sem sua carga de ironia e sarcasmo, finamente moldada pelos anos.
Handke parodia a si mesmo, faz circunvoluções em torno do escrever e do não conseguir escrever (tão importante quanto), camuflando-se sob as abas de efêmeros cogumelos brotando (como a escrita?) em florestas encantadas. Brotam selvagens e resistentes, contra ventos e intempéries — a metáfora com a escrita nunca é fortuita. Fato é que Handke ou seu irrequieto farejador dos bosques encara todas as dificuldades de mundo em cumprir a meta de escrever um compêndio micológico. O todo em meio a considerações múltiplas, por vezes saborosamente alucinógenas, em que o alterno handkeano cai em reflexão precisa e condoída sobre o que vem a ser a criação literária, e nisso o romancista, dramaturgo, ensaísta e roteirista austríaco é mestre inconteste.
E por falar em devaneio, que tal termos aqui um advogado de tribunal internacional (de Haia?) no papel de sábio bufão colhendo seus preciosos fungos de terno gravata? Em Handke, ao fim e ao cabo tudo tem sua razão e nada é gratuito.