No final de um ano que trouxe muita tensão política em decorrência das últimas eleições, a gente traz na capa a manchete «Sonho & Esperança», num misto de vontade e presságio. Embora sirvam de emblema para nossos desejos, essas duas palavras de significados benfazejos se referem ao longa-metragem Marte Um, que vem fazendo uma carreira bonita nos festivais por onde tem passado e que se tornou, como aponta Luciana Veras, «o primeiro longa-metragem de um realizador negro a ser escolhido para representar o país na disputa por uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional».
Um fato importante em torno do filme é o protagonismo negro. «Para mim, Marte Um é um aquilombamento», comenta Camilla Damião. «Todos nós viemos de um processo de pessoas brancas que contam nossas histórias do ponto de vista delas. E quando Gabriel (Martins, o diretor) vem com esse roteiro, com essa família, não é só a história da Nina e do Deivinho, mas a minha história e de várias pessoas desse país que geralmente não têm suas histórias mostradas na TV ou no cinema».
O filme ainda percorre jornadas para chegar a concorrer, de fato, ao Oscar. Mas essa indicação já é uma vitória da mensagem sobre a importância de se ampliar o protagonismo de cineastas afro-brasileiros e/ou negros na produção audiovisual no país.
Também contamos um pouco da trajetória de Paulo André Pires, figura fundamental na movimentação cultural do início dos anos 1990 em Pernambuco. Neste ano em que o Manguebeat comemorou seus 30 anos, a repórter Débora Nascimento teve uma longa conversa com o produtor cultural, que contou a ela suas lembranças do período, os bastidores e causos.
Para ele, foi no Natal de 1992 que houve a verdadeira guinada, o fim de um período de marasmo: «Naquele fim de ano, aconteceram três diferentes festas alternativas numa mesma noite e todas lotadas: Mangue Feliz, com Mundo Livre S/A e Chico Science & Nação Zumbi; uma festa na Pousada Quatro Cantos, com Paulo Francis vai Pro Céu e Maracatu Nação Pernambuco; e o Natal da Sopa, com show de Lula Côrtes, em que o artista chegou ao local numa charrete e vestido de Papai Noel». Parece que esse presságio era verdadeiro. No ano seguinte, em 1993, ocorreria a primeira edição do Abril pro Rock, festival criado por Paulo André.
De nossa parte, o desejo é de uma nova virada de chave, de renascimento, de novos rumos para a política cultural brasileira, de sonho, de esperança renovada no ano que se anuncia.