Uma rápida digressão histórica nos mostra que a investigação da cognição é uma coleção de fartas metáforas. Enquanto Descartes, por exemplo, afirmava que o corpo é tudo aquilo que pode ser limitado por alguma figura e que o pensamento é um atributo intrínseco ao sujeito, Hume escreverá que «a mente é um teatro constituído por percepções distintas e sucessivas». Esse interregno dualista, portanto, calcado naquilo que Putnam considerou uma espécie de «ditadura platônica», induziu-nos constantemente a pensar que mente e corpo são duas realidades distintas e, quiçá, irreconciliáveis. Nosso interior seria acessível apenas ao seu próprio sujeito, sendo sua natureza emancipada de características como extensão, corruptibilidade, entre outras. O fato é que essa imagem de cognição, até o final do século XIX, acabou enfeitiçando a arquitetura das explicações científicas, inclusive aquelas de caráter biológico. Admitir, então, que a marca do biológico pudesse englobar nossas presunções metafísicas significou um sério risco às várias Ciências, entre as quais estavam a Antropologia, a Química e a Psicologia. […] Nos próximos anos, com o desenvolvimento esperado de ferramentas de realidade aumentada, de deep learning, machine learning, e com as propostas de modificação genética do corpo humano, a filosofia e as ciências cognitivas precisarão continuar, agora em terrenos cada vez mais voláteis, os debates acerca da natureza da mente humana. É possível que, em se falando de cognição, as perguntas verdadeiramente importantes ainda estejam por ser feitas.