Antonio Candido dizia que a literatura no Brasil, mais do que a filosofia e as ciências humanas, ocupava o lugar central na «vida do espírito». Podemos expandir o que se entende como literatura para abarcar a música. Decerto a música brasileira é um repositório inesgotável de recursos de construção de brasilidades. Tanto como narradora, ufanista ou crítica, da história nacional quanto comentadora do cotidiano presente e mesmo como fonte de imaginação de futuros. Por isso o interesse, cada vez mais vivo, das ciências sociais por essa produção criativa.
O livro do antropólogo Caio Gonçalves Dias escolhe abordar o tema a partir do que o autor denomina um «espírito etnográfico», que convida os sujeitos estudados a falar. E Tom Jobim “fala” neste livro. Suas escolhas estéticas, sua trajetória social, seus mergulhos e circulações entre diferentes mundos, suas definições sobre sua própria música e suas ideias sobre brasilidade são apresentados e analisados pelo autor.
Esse caminho etnográfico para investigar o fenômeno complexo que é Tom Jobim, compositor múltiplo de sambas e sinfonias, não se descuida do enfoque nas condições materiais de produção da obra artística, que não nasce, como raio em céu azul, apenas da genialidade do indivíduo criador. Arte é técnica e por isso mesmo «as escolhas estéticas são condicionadas por certa materialidade».
Como elaborar esteticamente uma brasilidade musical em um país moderno, urbanizado, capitalista e em processo de cosmopolitização?
O antropólogo nos conduz por um fascinante caminho narrativo em que Tom Jobim dá respostas a essa questão. Nelas, há dois elementos-chave: o elogio da diferença que não respeita fronteiras entre classes sociais, entre rural e urbano, entre erudito e popular; e um olhar para a natureza sublime e frágil diante da ameaça da voracidade dos “homens” (que preferimos denominar de «modo de produção capitalista”). A obra de Antonio Brasileiro tem muito o que conversar com nosso tempo presente.
Adriana Facina