Por convenção, os textos são impressos em caracteres escuros sobre fundo claro. Apesar de virem de regiões obscuras da sociedade dos homens, as palavras fixam-se no papel escuro em fundos claros, neutros, como se quisessem esquecer sua origem complexa, ambígua, perigosa, para exibirem-se como limpas, nítidas, claras. E assim se exige também às ideias que elas expõem. E também quando elas são faladas. E assim devem ser o orador, o cientista, o escritor acadêmico. Limpos, claros e nítidos. E também a escola, a educação do corpo, a ginástica. Certa vez convencionou-se também que a arte verdadeira deveria ser suja, escura, obscura, como se ela não quisesse expor sua face solar, clara, positiva. E assim deveria ser o artista. Sujo, obscuro, problemático. E também a rua, o funâmbulo, o trabalhador das minas, o circo. O exagero destas duas afirmações leva-nos a afirmar que deveríamos buscar uma opinião média. Não. Para que algo significativo seja revelado, as coisas devem ser misturadas, colocadas em tensão. Buscar sentidos na aproximação problemática de linguagens diferentes. Tradução. Traduzir de uma linguagem para outra para que algo de verdadeiro e inesperado surja ora do texto, ora da imagem. E aí achar trechos da história que ficam perdidos e obscurecidos pela história oficial. Tradução também da imaginação, do desejo e da história do pesquisador, dos trechos perdidos e obscurecidos pela sua história oficial. Como se uma pesquisa pudesse ser ao mesmo tempo uma história pessoal profundamente social. (Milton José de Almeida)