A obra congrega estudos que priorizam cuidados conceituais e metodológicos ao analisar a categoria trabalho, os modos de viver e as maneiras de pensar nos espaços escravistas e pós escravistas no Brasil tão marcadamente mestiço. Diacronia e sincronia envolvem as abordagens, alicerçadas em base documental, demonstrando a variabilidade, no tempo e no espaço, das categorias sócio-históricas que identificavam, classificavam e hierarquizavam indivíduos e grupos sociais, não somente durante os séculos da escravidão, mas, também, depois da instauração da liberdade, categoria histórica, tão cara no passado, quanto nos dias atuais.
Nesse caleidoscópio de formas e modos de viver e trabalhar, a mobilidade social adquiriu distintos mecanismos. O primeiro capítulo, fruto de trabalho de Isnara Pereira Ivo e Celio Augusto de Oliveira, volta-se à compreensão das mestiçagens e dos privilégios, a partir da trajetória de um crioulo que, permeabilizando as fronteiras culturais e as hierarquias do mundo colonial ibérico, dedicou seus bons serviços à Coroa portuguesa. De preto forro na sede do Reino, tornou-se capitão-mor das conquistas, no sertão da Bahia. Maria Lemke problematiza como as pardas adquiriam a qualidade de tratamento “Dona” e como esta categoria reiterava as hierarquias já existentes. Para a autora, ser “Dona” era uma longa construção e não era uma qualidade destinada a todas as mulheres, mas àquelas cujo comportamento era considerado exemplar e que forjaram distintas mobilidades sociais.
As variadas formas de trabalho e as relações sociais (re)produzidas não serviram apenas para submeter e explorar a enorme população de escravos e forros de distintas “qualidades”, que se formou em diversas áreas americanas, desde as primeiras conquistas ibéricas é o que nos mostra o capítulo de Eduardo França Paiva. Já Roberto Guedes e Silvana Godoy apresentam, a partir da trajetória do mameluco Tamarutaca, as características mestiças das relações entre indígenas, conquistadores e autoridades administrativas em São Paulo nos séculos XVI e XVII. Em meio às mestiçagens e às dinâmicas sociais, a religião foi um traço fundamental para aqueles homens e mulheres que, marcados pelo trabalho, eram devotos de irmandades destinadas aos ofícios de carpinteiros, marceneiros, pedreiros e tanoeiros, como demonstra Cristina Moraes.
Na América portuguesa, muitos mestiços “viviam como se fossem brancos” e diversas eram as estratégias que Agostinho de Souza, retratado por Moisés Peixoto, empregou para alcançar esse intento. Seguindo a trilha de identificação da interação entre agentes de diferentes grupos, Ocerlan Santos verificou uma complexa relação entre um capitão preto forro, um ajudante mestiço e uma escrava crioula no sertão da Bahia, apontando as dinâmicas de mestiçagens e mobilidades sociais dos espaços de atuação dos personagens. No mundo do trabalho escravo moderno, distinto da Antiguidade, à medida em que avançavam os séculos, as ações de liberdade tornaram-se mais frequentes, conforme problematiza a pesquisa de Sven Korzilius. Alcilene Cavalcante aborda o abolicionismo nos poemas de Emília Freitas, no Ceará. As memórias produzidas acerca dos trabalhadores “paraguaios”, os esquecido