Luiz Carlos da Vila é, verbo ser no tempo presente que nunca vira passado, um dos nossos maiores artistas, um criador atemporal.
Eu o conheci numa reunião noturna. Estávamos no adequado fundo de um enorme quintal. O motivo do encontro era a mazela eterna de nossos direitos autorais. Lá pelas tantas, muita bebida rolando, duas grandes figuras do samba se estranharam e a coisa caminhou pra sair porrada. Foi quando Luiz Carlos da vila se agigantou, falou sobre o samba, lembrou porque estávamos ali e, quando todos dançávamos conforme a música de suas palavras, soltou uma sonora gargalhada.
Senti no corpo e na alma a força daquele sambista insuperável, que havia magnetizado com sua incrível inteligência todos nós, impedindo uma briga que deixaria triste cicatriz na história do samba.
Ficamos amigos nessa noite. Sempre nos encontrávamos para conversas intermináveis na casa do Moacyr Luz, e daí veio a profunda ligação entre nós, continuada na parceria.
O livro de Luiz Antonio Simas e Diogo Cunha nos ajuda com a saudade e nos restitui a esperança no valor do canto afrobrasileiro em época de latidos. Posso ouvir nas palavras dos autores os tons suaves embebidos em mel e curare, o relâmpago se transformando em rio, a lágrima e a lama, o chão batido por pés descalços virando cachoeira, o sofrimento altivo do homem que escolhe ver estrelas no fundo do poço — e reconhecemos a verdade mais profunda: o Universo é menor que a lata de bolinhas de gude iluminada por um fósforo aceso, como as pedrinhas miudinhas de Simas e Diogo.
É por tanta vida que herdamos do Luiz Carlos da Vila que eu canto, mais uma vez, o ponto — ponto de macumba, sim, inquisidores cristãos — que fiz para ele:
(…) Ele sobe de barco
os degraus da Penha.
O que tem dentro do seu chocalho
não tá lá
e é por isso que ele toca mais firme.
Ele enxerga com as mãos
e sente com os olhos.
Ele ri assim porque é Mais-Moço.
Ele sofre assim porque é Mais-Velho.